Por Miguel Nunes Silva

No Folha Nacional

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Restará ao PCP algum instinto de sobrevivência? É uma pergunta fundamental a colocar em Portugal, aonde no passado recente um dos partidos fundadores do regime foi extinto. Ainda que o PSD se esforce por manter um CDS em estado vegetativo, ligado às máquinas, a miséria paliativa do CDS deveu-se a uma fundamental incapacidade de adaptação à realidade e aos anseios do seu eleitorado.

A nível nacional, os partidos são objectos estáveis e apenas as coligações governativas podem variar mas a sequência das eleições para o Parlamento Europeu (PE), pelo contrário, é sempre um tempo de adaptação e reconfiguração estrutural neste órgão. Isto porque as famílias partidárias do PE, sendo compostas por excentricidades ideológicas e culturais tão diferentes, acabam por ser muito mais plásticas e incertas. Ao longo das décadas, dúzias de famílias políticas surgiram e sumiram na sequência das negociações pós-eleitorais do PE. O grupo dos Verdes, por exemplo, nem sequer existia nas primeiras eleições de 1979.

No seguimento do acto eleitoral de 9 de Junho, os rumores têm-se concentrado nas possíveis reconfigurações da Direita, visto que tanto o Partido Popular Europeu (do PSD), quanto o grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (sem constituintes portugueses) e o grupo Identidade e Democracia (do CH) cresceram em mandatos (uns 40 a mais, entre os três grupos). Já o partido do PM Húngaro tem estado desalinhado desde a sua expulsão do PPE e os eurodeputados do Fidesz contarão para qualquer cálculo pós-eleitoral.  Victor Orbán gostaria de fundir o ECR com o ID e formar o segundo maior grupo do Parlamento mas diferenças políticas relativamente à NATO, Rússia e mesmo a políticas económicas, poderão impedir tal junção de forças. 

Por outro lado, com cerca de 200 eurodeputados à direita do PPE, existe mesmo o potencial e a tentação para a formação de um quarto grupo parlamentar de Direita. É que o estatuto de família política parlamentar beneficia de várias vantagens regimentais e financeiras muito apetecíveis, e vários parlamentares poderão preferir permanecer em grupos mais pequenos. Os critérios são claros: qualquer grupo parlamentar deverá contar com um mínimo de 25 eurodeputados, de pelo menos 7 estados-membro diferentes.

É importante mencionar isto porque tais critérios valem tanto para a Direita …como para a Esquerda. A Esquerda também tem andado atarefada com expulsões e discriminações e tal como o partido do Sr. Orbán foi expulso do PPE, o partido do PM Eslovaco foi suspenso do grupo socialista, pelas suas posições relativas à Rússia e à imigração. Juntamente com o novo partido alemão da ex-comunista Sahra Wagenknecht, começa, finalmente, a surgir à Esquerda, uma reacção soberanista à deriva globalista dos partidos do sistema. Uma das hipóteses de convergência com Wagenknecht e com os partidos eslovacos aliados ao PM Robert Fico, aparenta ser o Movimento 5 Estrelas italiano, que partilha da postura anti-belicista, anti-austeridade e anti-imigração em massa, dos outros dois. 

Não é improvável que mais eurodeputados socialistas e comunistas venham a aderir a esta facção, o que nos leva à situação do PCP: os seguidores de Álvaro Cunhal sempre fizeram parte do grupo comunista, presentemente designado pela Esquerda Europeia (Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde). O Comité Central é averso a mudanças e o seu primeiro instinto não seria necessariamente abandonar os aliados tradicionais, no entanto, tão pouco se pode dizer que o PCP tenha andado muito confortável com os posicionamentos russófobos ou com as agendas de ideologia de género forçadas pelos seus parceiros europeus. Apesar de igualmente marxistas, todo um oceano separa o PCP de, por exemplo, o Podemos. 

O eurodeputado comunista eleito, João Oliveira, vindo das lides da JCP de Coimbra, até tem sido uma voz de mudança dentro do partido, porém, a mudança que ele tem preconizado tem sido na direcção do progressismo bloquista. Resta agora saber se seria favorável ou adaptável a um realinhamento que orientasse o Comité Central paralelamente a uma nova Esquerda europeia mais patriótica e menos internacionalista.

O posicionamento pró-Russo do PCP tem-lhe custado muito eleitoralmente e muitas vozes haverão dentro do PCP, contrárias a mais sacrifícios eleitorais em prol de considerações saudosistas. Não obstante, uma alternativa soberanista de Esquerda faz falta em Portugal, aonde o PS e o LIVRE são euro-federalistas e o Bloco de Esquerda é ferozmente globalista. Apostar na diferenciação seria potencialmente capitalizar do descontentamento crescente com a imigração em massa e com a inflação resultante da guerra a leste.

Terá o PCP algum instinto de sobrevivência que o leve a adaptar-se à realidade do século XXI?

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